Enchemos uma kombi com armas e munição contra o golpe, lembra Requião
Estudante de direito e aluno do CPOR (Centro de Preparação dos Oficiais da Reserva), Roberto Requião e um colega quiseram enfrentar o golpe militar com armas. Sua iniciativa foi frustrada. Seus companheiros fugiram ao ver o armamento.
É o que rememora Roberto Requião, 83, ex-governador do Paraná, ao TUTAMÉIA, na série que tem como mote “O que eu vi no dia do golpe”. Nesta entrevista, concedida no dia 26 de fevereiro de 2024, ele fala de sua trajetória e da conjuntura nacional:
“Nós precisamos de um projeto nacional moderado, factível, viável. Sem projeto, estamos liquidados. Eu tenho esperança de que isso ocorra ainda. Eles estão fechados num esquema que eu acho que é o do Marcos Lisboa, do liberalismo econômico absoluto. Essa abertura da frente ampla está transformada numa zona política. Não é uma frente ampla, é uma esculhambação, troca de cargos e favores.
Diz o ex-senador: “Temos que criticar construtivamente. Eu sou lulista declaradamente, mas sou, acima de tudo, brasileiro e quero ver um projeto de Brasil funcionando. O enterro do Bolsonaro vai ser feito pelo STF. Mas a direita continua criticando o Lula e elogiando o neoliberalismo do governo federal”.
“AO VEREM AS ARMAS, O PESSOAL DESAPARECEU”
Sobre o dia do golpe, conta Requião:
“Em primeiro de abril de 64, eu era estudante de direito e aluno do CPOR, Centro de Preparação dos Oficiais da Reserva. Sou um oficial da reserva pela cavalaria. Nós estávamos profundamente indignados com o golpe. Ney Braga [então governador do Paraná], nas proximidades do primeiro de abril, havia tido até uma reunião com o João Goulart. Mas, no fim, aderiu ao golpe. Eu e um companheiro de política universitária, já falecido, chamava-se Luiz Carlos Mainard, fomos a uma reunião do Partido Socialista. E lá o pessoal dizia: ‘Temos que fazer uma intervenção mais forte, vamos tomar conta do palácio, vamos evitar que o governo do Paraná venha a aderir ao golpe militar. Mas nós não temos condição porque nos faltam armas para tomar conta do palácio’”.
“Eu e o Luiz Carlos Mainard marcamos uma reunião com eles no dia seguinte. E no dia seguinte nós pegamos uma kombi que era propriedade do meu pai. Eu era um meninão, um estudante progressista, mas não tinha um engajamento em organizações revolucionárias, além da visão contra o golpe. Então eu o Mainard fomos ao CPOR, abrimos o depósito de armamento e colocamos armamento pesado e munição dentro da kombi. E, na hora combinada, nós com a Kombi fomos ao Partido Socialista. Fugiram todos! Não ficou ninguém. E nós ficamos com a Kombi armada, extremamente bem armada, sem saber o que fazer”.
“Fomos ao diretório central dos estudantes. E dissemos: ‘Tem aqui condição de tomarmos e resistirmos no palácio ao golpe’. O pessoal desapareceu. Ficamos eu e o Luiz Carlos com uma Kombi armada sem saber o que fazer. Voltamos ao CPOR, reabrimos a sala de armamentos e pusemos de volta o equipamento todo que nós tínhamos tirado. E ficamos à margem desse processo no seu início”.
Requião prossegue, avaliando a ação de então com olhos de hoje: “Cá entre nós: foi uma felicidade para nós eles terem fugido. Porque não havia nenhuma condição de meia dúzia de meninos, uns rapazes do Partido Socialista enfrentarem uma força militar federal. Escapamos disso, mas tomamos essa iniciativa. A partir dali nós passamos a atuar na política do Paraná”.
O depoimento integra uma série de entrevistas sobre o golpe militar de 1964, que está completando sessenta anos. Com o mote “O que eu vi no dia do golpe”, TUTAMÉIA publica neste mês de março mais de duas dezenas de vídeos com personagens que vivenciaram aquele momento, como Almino Affonso, João Vicente Goulart, Anita Prestes, Frei Betto, Franklin Martins, Djalma Bom, Luiz Felipe de Alencastro, Ladislau Dowbor, Margarida Genevois, José Genoíno, Roberto Amaral, Guilherme Estrella, Sérgio Ferro e Rose Nogueira.
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